Prateado e dourado; são cores ou efeitos?
Por mais que procure nas mais extensas caixas de lápis de cor ou de tintas, não encontrará maneira de pintar o prateado ou dourado de forma similar aos reais. Há um conjunto de fenómenos visuais, que há falta de nome menos técnico e mais adequado, são chamados de “cores estruturais”, que o impedem. No conjunto heterogéneo de tons e/ou efeitos que esta designação engloba, estão incluídos o prateado, o dourado e outros tons que parecem brilhar em cores que podem abranger diversas tonalidades ou até mudar de tom (iridescência).
O que dá origem a estes fenómenos visuais é a forma como os materiais e as suas estruturas microscópicas (ou atómicas) afectam a luz e, nalguns casos, associados a pigmentos (elementos físicos e/ou químicos não estruturais). Estes factores, com as suas especificidades, interagem de forma diversa com as frequências que chegam aos nossos olhos e são designados por “interferência de onda”.
Quando a luz incide sobre um objecto, parte dos raios emitidos pela fonte luminosa são absorvidos pela superfície física e/ou química do objecto e os restantes raios reflectidos. Esses chegam aos nossos olhos e são convertidos numa cor pelo nosso cérebro (mais informação da forma como vemos as cores aqui). Para vermos prateado, a constituição do objecto que recebe a luz tem que ter duas características. A primeira é nossa conhecida: o objecto tem que reflectir todas as frequências de luz que recebe, tal como acontece quando vemos branco. A segunda é a que faz a diferença e permite ao nosso cérebro ver o prateado: o objecto tem que concentrar toda a luz num foco. Ou seja, o objecto tem que ter propriedade físicas e/ou químicas1 que permitam reflectir a luz, alinhada num único foco em vez de a reflectir em diversas direções, dissipando-a.
Por causa deste fenómeno não é possível pintar o prateado. Por muito eficaz que sejam os lápis, canetas ou tintas, não conseguem o efeito de concentração de luz numa direcção. Mesmo os melhores artistas2, com as estratégias mais refinadas para simular escuro e brilho, não conseguem replicar o efeito, porque os pigmentos têm até 10 vezes menos eficácia do que os materiais estruturais e não permitem reflectir o foco de luz nos nossos olhos.
No caso do dourado, passa-se algo similar ao prateado com uma diferença fundamental: não são refletidas as baixas frequências, ou seja, os azuis. Por isso temos o mesmo efeito de intensidade luminosa presente no prateado mas em tons amarelados/alaranjados.
Os restantes tons são obtidos por estruturas físicas e/ou químicas que combinam as referidas, com outras presentes na plumagem ou corpo de alguns animais e materiais. Estas estruturas têm particularidades que fazem divergir uma ou diversas frequências, provocando os efeitos de iridescência e de cor estrutural em diversos tons. São conhecidas como mecanismos fotónicos (de fotão luminoso) e conforme o material, podem ser de diversos tipos: redes de difração, espelhos selectivos, cristais fotónicos, fibras cristalinas e outras estruturas ainda menores que podem ir até às proteínas. Por efeito delas podemos observar os tons iridescentes nos corpos de diversos animais, as miríades de cores e efeitos nas bolhas de sabão ou em jóias2. No caso das estruturas mais ínfimas, presentes nas proteínas, o mesmo efeito é observável por exemplo nalguns tipos de carne que mudam de tom conforme a posição do observador ou do sentido das fibras.
Notas
1 A cromagem é um processo físico e químico artificial que permite adicionar a alguns materiais uma camada de elementos com estas características.
2 Veja por exemplo (ver imagem aqui), o trabalho de Rembrandt, mestre da luz, na sua pintura de 1636 “The Blinding of Samson”, onde o artista cria uma cena numa caverna escura, iluminada fortemente do lado esquerdo. Desse local emana a luz que se concentra nas armaduras dos soldados de forma a criar o efeito de prateado.
3 Os minerais preciosos em bruto são lapidados para alterar as características físicas e transformados em pedras com cortes específicos fazendo com que a luz seja reflectida de forma mais intensa. Quanto melhor for a lapidação, melhor efeito se consegue, e mais valor terá a jóia que daí advir.
Referências
Parker, Andrew. Seven Deadly Colours
Simon & Schuster, UK Ltd, London
2006