Composição: grelhas, as estruturas secretas
Talvez associe mais facilmente o termo “composição” à Fotografia e à Pintura do que ao Grafismo. Porém, tal como nessas áreas, a composição de uma peça gráfica é fundamental para estabelecer relações e equilíbrios correctos entre os diversos elementos. Por detrás da página de um jornal, livro, revista, folheto ou qualquer outro meio visual1 há uma estrutura de suporte dos diversos elementos com o propósito de lhes conferir coerência, ordem e lógica, como base e reforço da mensagem transmitida. Essa estrutura invisível, a que os designers chamam “grelha estrutural”, “grelha de suporte” ou apenas “grelha”, define, suporta e estabelece as relações e proporções entre os espaços das imagens, texto e restantes elementos. Estas relações determinam a harmonia e o dinamismo da publicação. Estabelecem o seu “tom” visual. Apesar da necessidade da grelha, não há norma para sua construção. Pode variar desde o caótico (ou até inexistente…) e irreverente, até ao estável e clássico, ao gosto e conhecimento de quem a determina.
Nem sempre assim foi. A procura da estrutura gráfica perfeita remonta a tempos anteriores à proliferação de meios de comunicação, antes sequer dos livros. Nesses tempos, a produção de um manuscrito ou codex2 era tão cara e morosa que havia uma preocupação em alcançar a harmoniosa e perfeição. A fórmula desta estrutura era segredo do negócio. Através da sua aplicação obtinha-se o “livro perfeito” como Jan Tschichold3 lhe chamava. Ao longo dos tempos, por razões comerciais, económicas e outras, os livros e as estruturas da composição começaram a variar, desviando-se dessa fórmula, adaptando-se a novas realidades e necessidades. O conhecimento e uso dessa fórmula foi-se dissipando.
Na década de 1940, Raúl Mario Rosarivo (1903–1966), tipografo e designer argentino meteu mãos à obra e com uma régua e compasso dedicou-se a analisar as proporções dos livros desde o primeiro livro (ocidental), impresso, a Bíblia de Gutenberg (1455), no intuito de revelar essa secreta fórmula4. O que descobriu é surpreendente, apesar de ser conhecido e usado em outras disciplinas: a fórmula estrutural que usavam é baseada na “Proporção Áurea” também conhecido como “Número de Ouro”, ϕ (PHI) = 1.61803398875. Este número ou proporção, é usado habitualmente nas artes como a Pintura e Arquitectura e possível de verificar nas relações entre diversas partes de elementos naturais e animais. Em 1947, Rosarivo publicou o livro Divina proporción tipográfica onde explica como calcular a estrutura:
As relações estabelecidas por este “Número de Ouro”, são extraordinárias. O seu uso numa composição gráfica estabelece relações proporcionais e equilibradas numa simplicidade elegante: o texto tem a mesma proporção da folha, as margens são equilibradas e racionais, os blocos de textos e margens têm o mesmo espaço com o livro aberto e proporcionais com o mesmo ratio 2:3 e a altura do texto é igual à largura da página. Tudo se encaixa de forma natural e equilibrada.
Apesar da re-descoberta desta fórmula o seu uso não se tornou habitual. O desconhecimento, a banalização e volume de publicações, sobrepôs as razões económicas à elegância: grande parte dos livros usa as páginas quase sem margens e com pouca atenção à harmonia e bom gosto.
Apesar disso, o uso do “número de Ouro” nas composições gráficas não desapareceu, foi até muito influente em diversas áreas gráficas como por exemplo na criação de logotipos e imagens de marca. Também encontramos esta proporção, usada parcialmente ou de forma algo deturpada ou “ajustada”5 na dimensão dos livros comuns. Em edições mais cuidadas é habitual encontrarem-se estruturas mais sofisticadas que usam as proporções do “número de Ouro” resultando em edições mais harmoniosas e coerentes:
Notas
1 A lógica da informação online começou por replicar a estrutura do papel, mas os avanços tecnológicos obrigaram a que a estrutura se tornasse flexível, dependente de factores variáveis que determinaram a adaptações e estruturas com características diferentes.
2 Codex ou códices (plural): conjuntos de folhas manuscritas encadernadas em forma de livro.
3 Jan Tschichold (1902, 1974), tipografo, designer e influente autor com publicação sobre este assunto e sobre o grafismo em geral.
4 Este género de investigação e definição da fórmula usada não é original de Rosarivo. Também nos anos 40, o holandês J. A. Van de Graaf encontrou o mesmo resultado que traduziu numa fórmula mais complexa. O primeiro registo que há da procura de uma estrutura na página foi realizada no século XIII por Villard de Honnecourt’s, apesar de ter usado diversas subdivisões que resultavam em diversas larguras. Esta variedade de larguras, ainda que lógicas não eram tão harmoniosas. Jan Tschichold usou o trabalho dos seus antecessores corroborando os seus resultados e usando a informação para promover o uso de melhores composições.
5 Apesar da grande variedade, alguns dos formatos mais habituais de livros usa a proporção PHI, mas ligeiramente alterada (a altura deveria ser obtida pela multiplicação da largura 1,6103), provavelmente para maximização e aproveitamento das folhas de papel onde são impressas diversas páginas em simultâneo:
Livros com 14 cm x 21 cm de altura: deveriam ter 22,65 cm de altura;
Livros com 15 cm x 22,5/23 cm de altura: deveriam ser 24,15 cm de altura.
Referências
http://retinart.net/graphic-design/secret-law-of-page-harmony/
https://theconversation.com/sublime-design-an-ode-to-the-layout-grid-26220