Caligramas
A pessoa comum do século XXI, habituado às ferramentas digitais, à fotografia e facilidade de associar imagem a um texto talvez não consiga imaginar a escassez de imagens de há 100 anos. No início do século XX, as composições gráficas estavam, em boa medida, limitadas aos textos, e estes limitados aos caracteres que a oficina de impressão dispunha. Claro que já era possível usar uma ilustração ou fotografia para ilustrar um texto, mas essa possibilidade era morosa e dispendiosa, apenas usada de forma pontual e ponderada.
Em 1918, o poeta Auguste Apollinaire (1880–1918) publicou o livro Calligrammes: Poèmes de la paix et de la guerre (1913-1916). Essa obra usava os caracteres de impressão dispostos de forma a criar uma imagem básica, um género de pictograma (daí o nome: "caligrafia"+"ideograma"), com o sentido de ilustrar o próprio texto que o construía. Quer tenha sido motivado pela carência de imagens, pela reinvenção de um método antigo ou por simples liberdade artística, esses "poemas visuais" ganharam o nome proposto pelo autor e passaram a ser conhecidos como "Caligramas".
Exemplo de Caligrama de Apolinnaire
Não foi a primeira vez que Apollinaire deu nome a um fenómeno estilístico; este destacado escritor e crítico de arte francês conhecido pela sua escrita sem pontuação, já tinha cunhado outros termos como "surrealismo", para além de ter sido o autor do manifesto cubista.
Na altura em que Apollinaire criou o conceito de caligrama, outros autores como o mexicano José Juan Tablada, influenciado pelos ideogramas japoneses, trabalhava num conceito idêntico. Porém, os seus trabalhos apenas foram publicados em 1920. Nos anos seguintes este género de construção visual passou a ser habitual e diversos autores o usaram, expandindo a sua difusão.
A fórmula de uso artístico e simbólico da disposição das letras não era propriamente novidade, existia desde sempre, ainda antes de imprensa, mas por diversas razões não era habitual: com o estabelecimento da imprensa em meados do século XV, começaram a surgir convenções, normas gramaticais e de pontuação, assim bem como questões técnicas que definiam e restringiam a forma como devia ser escrito um texto, o que limitava o uso destas soluções gráficas.
No início do século XX, o contexto era diferente; a abertura das mentalidades, a experimentação artística e os recursos técnicos mais sofisticados permitiram a Appolinaire usar esta possibilidade gráfica de uso dos caracteres, em alternativa ao uso de imagens ou ilustrações.
O caligrama viria a servir de referência e abrir caminho para a "poesia concreta", uma abordagem gráfica ainda mais liberal onde a leitura de um texto não era obrigatória, ao contrário do caligrama.
Ao longo do século XX as ferramentas gráficas evoluíram e surgiram outras, novas; a Letraset, as fotocópias e por volta dos anos 80, os meios digitais. Todos estes meios começaram por facilitar a manipulação de textos e progressivamente, imagens, símbolos e fotografias em composições gráficas influenciadas por esses experimentalismos gráficos da primeira metade do século XX. Essa herança faz parte dos fundamentos dos actuais design gráfico/comunicação.
Notas
Imagem de topo: El Cal·ligrama més gran del món, Por Andrés Marín Jarque,
licença: https://creativecommons.org/licenses/by-sa/2.0/
Referências
http://www.gutenberg.org/browse/authors/a#a6075