Máquinas de escrever: poética recordação nostálgica e pesadelo tipográfico.
Não é raro o uso de imagens de velhas “máquinas de escrever” como ilustração do trabalho, dedicação e esforço criativo de poetas, escritores, jornalistas e demais literatos. Apesar das nostálgicas e poéticas associações que essas imagens criaram na nossa mente, a herança gráfica de tais equipamentos revelou-se tipograficamente dramática.
O objectivo de construção de uma “máquina de escrever”(na realidade deveria chamar-se máquina de impressão portátil), remonta ao século XVIII. Múltiplos inventores na Europa e Américas competiam para conceber tão elusivo equipamento.
Em pequenos avanços, foram criadas máquinas estranhas, de funcionalidade e operação duvidosa, como a máquina do italiano Pellegrino Turri de 1808. Apesar da irrelevância do seu equipamento, valeu a invenção do papel químico. Em 1829 a primeira máquina norte-americana apelidada Typhographer, de William Austin Burt, nem sequer tinha teclado: operava-se com um mecanismo do género de um relógio dentro de uma caixa, onde o operador rodava um disco com o carácter que queria imprimir, repetindo para cada outro carácter. Um pesadelo! O italiano Giuseppe Ravizza passou 40 anos a desenvolver 16 modelos do seu equipamento “Cembalo scriviano o macchina da scrivere a tasti”, ou o Austríaco Peter Mitterhoffer com as suas cinco versões, todos sem sucesso algum.
Em 1863, surgiu a máquina que muitos consideram ser a primeira máquina de escrever, do norte-americano John Pratt, o Pterotype, apresentado em França e praticamente ignorada nos Estados Unidos, seguido no mesmo ano pela primeira máquina disponível comercialmente, do dinamarquês Rasmus Malling-Hansen, a “Bola de Escrever”, outra bizarria sem eficácia e menor sucesso.
Enquanto se davam estes acontecimentos pela Europa e Estados Unidos, num inusitado e remoto local, pouco ligado a desenvolvimentos tecnológicos: Recife, Brasil, o padre inventor Francisco Azevedo, criou em 1861, um aparelho com propósito estenográfico, convertido à escrita tradicional, que pela primeira vez operou eficazmente, ganhando prémios e reconhecimento local. Por uma série de vicissitudes e, segundo alguns, maldade, o aparelho não teve a relevância e (re)conhecimento necessário ao sucesso em que se poderia ter tornado.
Os passos decisivos para a construção de tal equipamento foram dados em 1867, por Christopher Latham Sholes, Samuel Willard Soule e Carlos Gilden, que terão concebido um aparelho para numerar sequencialmente, que converteram em máquina de escrita habilmente apelidada “TypeWriter”.
Depois de muitos avanços e recuos, inúmeros ajustes e vários parceiros e sócios, o equipamento, já com um grau de desenvolvimento razoável, foi parar às mãos da E. Remington and Sons, que procurava diversificar o negócio de armas com produtos civis, na altura do pós Guerra de Sucessão (guerra civil norte-americana).
O primeiro modelo da Remignton TypeWriter (1873), já similar ao que reconhecemos como uma máquina de escrever, apresentava-se rudimentar. Apenas continha a quantidade mínima de teclas. Não existiam letras minúsculas, os algarismos resumiam-se a oito: do 2 ao 9, forçando-se a usar as letras I e O para substituir os restantes. Escassos sinais que, com alguma imaginação, também serviam para diversas finalidades. Tudo isto com larguras de caracteres homogéneas, ou seja cada, carácter ocupava o mesmo espaço no papel, quer fosse um I ou um M, deixando os textos com um aspecto esburacado, confuso, que dificultava a leitura.
Apesar das melhorias e desenvolvimentos subsequentes das inúmeras marcas e modelos que entraram no mercado, o panorama tipográfico que os teclados destes equipamentos ofereciam nunca foi aceitável. Foi o possível dentro das diversas limitações. Nomeadamente a mecânica: as hastes empenavam e encravavam frequentemente. Inicialmente não existiam caracteres adequados para as máquinas (usavam caracteres normais soldados na ponta das hastes). O desgaste mecânico e mau uso resultava em composições deficientes, com espaçamentos e falhas múltiplas. Diversos caracteres que eram comuns na (boa) composição tipográfica, foram afastados dos teclados, limitando os utilizadores do seu uso, e claro, do seu conhecimento, como por exemplo, os números antigos (minúsculos), os versaletes, os diversos travessões, etc.
Esta situação, tipograficamente deficitária, arrastou-se pelos anos e décadas, tornando-se habitual para os utilizadores e cristalizando a escassez tipográfica, infelizmente transposta para os teclados dos computadores, um pouco mais abastecidos com as necessidades específicas dos meios digitais, mas ainda assim herdando os maus vícios das máquinas de escrever.
A reflexão que fica: se não fossem as máquinas de escrever, será que a configuração dos teclados que usamos seria a actual? Se tivéssemos que pensar num teclado inovador, tipograficamente adequado, sem a herança da máquina de escrever, como seria?
Referências
https://site.xavier.edu/polt/typewriters/tw-history.html
https://typewriters.com/blogs/journey-through-typewriter-evolution-from-inception-to-modern-designs/